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Cultura

Com a morte de Eduardo Lourenço a Lusofonia perde um farol

Com a morte de Eduardo Lourenço na semana passada, 01 de Dezembro, a Lusofonia perdeu um importante farol. Esse professor, filósofo, escritor, crítico literário, ensaísta e interventor cívico foi autor de “O Labirinto da Solidão” e de vários outros livros que ajudam a compreender a alma portuguesa, a sua aventura colonial e existencial. Tinha 97 anos. Crítico do salazarismo e do colonialismo, Lourenço esteve em Cabo Verde em 1989.

Na altura em que esteve em Cabo Verde Eduardo Lourenço ainda não era a “estrela” consagrada que viria a se tornar, principalmente em França, embora já fosse um nome respeitado por quem estava minimamente por dentro da produção intelectual portuguesa.

Os seus escritos, na imprensa e noutros meios, eram de leitura obrigatória, apesar de nem sempre fáceis de compreender. Eram, na maioria dos vezes, mistura de ensaismo literário, com filosofia, política e jornalismo. No fundo todos os rios do pensamento estavam na escrita de Eduardo Lourenço, o que faz dele um caso único em Portugal.

Do labirinto português ao labirinto europeu

Além de se interrogar sobre os aspectos da identidade do seu país, tema principal do seu celebrado ensaio “O Labirinto da Solidão”, Lourenço alarga, com os anos, o seu pensamento ao conjunto da Europa, inscrevendo o seu nome nesse espaço, o que acabou por torna-lo o mais importante pensador português do nosso tempo.

Na entrevista que concedeu ao jornal “Voz di Povo” em Março de 1989 (nº791), meses antes da queda do muro de Berlim e inserta no livro de “A explicação do mundo”, de José Vicente Lopes, explica que o “labirinto” deixara de ser interior, para ser “um labirinto que diz respeito ao espaço europeu inteiro”.

“Cada país agora se interroga qual é o seu destino no interior dessa coisa (União Europeia), que ainda não tem uma identidade, que não é uma verdadeira nação nem sequer uma federação como os EUA, e que nós chamamos Europa. Esse é o problema: saber qual vai ser o nosso lugar, quais são as tarefas especificas de cada um dos países ou, pelo menos, qual é o papel que lhes cabe na distribuição das forças econômicas e financeiras da Europa”.

Daquele seu primeiro e único contacto com a “realidade” cabo-verdiana Eduardo Lourenço confessou: “Não tive neste meu contacto com Cabo Verde nenhum sentimento de estranheza, como experimentei ao chegar ao Brasil, por exemplo. Independentemente do facto de ser uma nação, cuja população é de maioria de origem africana, a sua maneira de ser deu-me a impressão de que estava na Beira ou num sítio português, meu conhecido”.

Além da história comum, os laços de consanguinidade, Portugal e Cabo Verde, segundo Lourenço, possuíam várias afinidades, a começar pelo facto de serem ambas nações marcadas pela emigração, cujos povos, ao procurarem o mundo noutras paragens, “são obrigados a definirem-se em relação aos outros”. E exemplifica: “Os cabo-verdianos tornam-se mais cabo-verdianos quando vão para Portugal do que quando estão aqui, uma vez que não precisam de se definir em relação a ninguém, se não a eles próprios”.

Professor, filósofo, escritor, crítico literário, ensaísta, interventor cívico, Eduardo Lourenço foi um dos pensadores mais proeminentes da cultura portuguesa. Com a sua morte, sem dúvida, Portugal perde o seu último grande pensador. Para muitos, o ensaísmo português nunca mais será o mesmo.

Dono de uma vasta bibliografia, a excelência da sua produção reside nos estudos que dedicou à literatura: Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista (1968), Fernando Pessoa Revisitado. Leitura Estruturante do Drama em Gente (1973), Tempo e Poesia (1974), Poesia e Metafísica. Camões, Antero, Pessoa (1983), Fernando, Rei da Nossa Baviera (1986) ou O Canto do Signo (2017).

Sobre a vida portuguesa, nomeadamente a política, coligiu também títulos como O Fascismo nunca Existiu (1976), O Labirinto da Saudade. Psicanálise Mítica do Destino Português (1978), O Complexo de Marx ou o Fim do Desafio Português (1979), Cultura e Política na Época Marcelista (1996) e Do Colonialismo como Nosso Impensado (2014).

Narrador de si próprio

Em 2018, Eduardo Lourenço foi protagonista e narrador da sua própria história, num filme de Miguel Gonçalves Mendes, que teve ante-estreia a 23 de Maio, dia em que Eduardo Lourenço completou 95 anos. Intitulado “O Labirinto da Saudade”, o filme traça uma viagem através da cabeça do pensador português, constituindo-se como uma “homenagem em vida” do realizador ao ensaísta.

Quando fez 95 anos, Eduardo Lourenço confessou, em entrevista à Lusa, que era “difícil assumir” o aniversário, porque sabia que era “o princípio do fim”, mas que não o encarava “como uma coisa trágica”, porque “todos estamos confrontados com essa exigência”.

“A tragédia já é, em si, nós não podermos escapar àquilo que nos espera, seria uma injustiça para todas as outras pessoas, que eram os nossos e que já morreram, que nós não fossemos capazes de suportar aquilo que eles suportaram quando chegou o fim deles”, afirmou. “É ir para a morte como se todos aqueles que nos conheceram e nós amámos estivessem connosco”.

Portugal perdeu um grande pensador. Prémio Camões e Prémio Pessoa, entre inúmeras outras distinções, a lusofonia, enquanto espaço comunitário de países e povos que têm o português como língua comum, perdeu também um importante farol.

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