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Diáspora

Pedro Matos: “Diáspora não é apenas uma Comunidade fora de Cabo Verde”

Nasceu na Ilha do Fogo (em Cabo Verde), mas fez todo o seu percurso académico no Brasil, onde chega, em 2007, no marco do Programa de Estudantes-Convénio para Graduação e Pós-Graduação. “Descobre” Cabo Verde, África e a luta dos seus Povos nas “Terras-de-Vera-Cruz”, lamenta que a História do Arquipélago não seja ensinada “a partir de uma Visão Africana”, defende os “embaixadores de carreira, pois, também, conhecem a Política” e remarca, a modos de recado aos governantes: “A Diáspora não é apenas uma Comunidade fora do nosso País”.

 A NAÇÃO – Como prognostica que seja a Sociedade Global pós-COVID-19?
Pedro Andrade Matos – Minha formação académica e doutoramento foram em Relações Internacionais, na Pontíficia Universidade Católica de Minas (PUC). O Brasil é o meu segundo País e Minas Gerais a minha segunda casa. Respondo a esta pergunta a partir de uma visão internacionalista…

Insisto: haverá ou não transformação?
Não vejo uma transformação positiva na Sociedade Global pós-COVID-19…

 Por que diz isso?
Porque o que queremos da Sociedade pós-COVID-19 não está sendo feito agora. Pelo contrário, vemos países ricos estocando doses de vacinas contra o novo Coronavírus e vacinando população fora do grupo de risco, enquanto países pobres dependem da Solidariedade Internacional, para terem acesso às vacinas. Os países ricos controlam a produção e a distribuição das vacinas. Portanto, estamos preparando uma Sociedade que será ainda mais desigual e injusta, em termos de distribuição de bens públicos globais. Pois, vacinas devem ser consideradas bens públicos globais. 

 Está a dizer que os mais poderosos estão se comportando de maneira egoísta?
Qualquer aluno de Relações Internacionais sabe a tragédia provocada por um comportamento egoísta: elimina os outros, mas, também, provoca a auto-eliminação. 

 Como assim?
Num mundo inter-dependente, nenhum País está seguro, se os demais países não estão vacinados. Comportamentos egoístas têm prolongado a Pandemia, contribuído por mutações do vírus, e gerado consequências económicas e comerciais, que vão pesar na Balança Internacional. 

 Face a este sombrio panorama que descreve, o que de ve ser feito?
É preciso avançar com a quebra temporária de patentes e compartilhar Tecnologias para que mais países possam fabricar ou participar na cadeia produtiva das vacinas, conferindo maior capacidade global para o enfrentamento do vírus. 

 

“Descobri Cabo Verde no Brasil!”  

Estando de regresso a Cabo Verde, ainda mantém laços com o Brasil?
Mantenho contactos com os meus amigos, colegas e antigos vizinhos, no Brasil. O meu filho é brasileiro (mineiro), mas é, também, filho da Diáspora. Estaremos eternamente nesse transito: Brasil-Cabo Verde… 

 Já agora: para si, o que é a Diáspora?
A Diáspora não é apenas uma comunidade fora do nosso País. 

 Então, o que é?
É ter um País enorme dentro de nós. No Brasil, eu descobri o meu País. Descobri o Continente Africano. Conheci pessoas que queriam saber como é gigante a luta do nosso Povo Africano. A resistência e os conhecimentos que nossos povos levaram para várias partes do Mundo. E Cabo Verde faz parte desse Processo Histórico. É lamentável o facto de não sermos ensinados sobre a nossa História, a partir de uma Visão Africana. A partir da visão do nosso Povo e da nossa Cultura. 

 Como foi a sua integração?
A minha integração na Sociedade Mineira (no Estado de Minas Gerais) foi tranquila. Na verdade, a Gastronomia é familiar à nossa e isso favoreceu muito esta conexão. Sempre me senti à-vontade numa cozinha. Acredito no poder do alimento e sua capacidade de agregar diferentes pessoas e histórias, em torno de uma única mesa. 

Via-sacra da integração…

Quais as dificuldades mais marcantes, por que passam os cabo-verdianos nas “Terras-de-Vera-Cruz”?
São várias…

 …as mais relevantes.
Conseguir um lugar para residir e um fiador para fechar contrato de aluguer de um apartamento ou casa. É muito difícil um estrangeiro que chega,  ganhar a confiança de um nacional para servir-lhe de fiador. 

 Como se dribla este constrangimento?
Via de regra, quando os cabo-verdianos chegam, num lugar onde já há uma comunidade consolidada, esta  auxilia em tudo. Há sempre patrício disponível, que pode ajudar nos processos burocráticos de legalização, junto às autoridades de Imigração e se apresentar nas universidades. Essa Comunidade é fundamental, para atenuar as saudades que são muito fortes nos primeiros meses.

 De que mais sentia saudades?
De coisas simples: comida da nossa família, amigos e o ambiente familiar. A Música e a convivência foram sempre formas de driblar essas saudades. Mas sempre voltavam. Nunca conseguíamos matar todas as saudades. 

Espaço estratégico… 

Tem acompanhado a Diplomacia Cabo-Verdiana?
Sim, faz parte da minha rotina académica, mas, também, de um cidadão interessado em saber como estão a ser tomadas decisões, no âmbito da Política Externa, que podem afectar a vida do meu País. 

 Qual o estado da nossa Diplomacia?
Numa perspectiva histórica, o Estado de Cabo Verde definiu o nível Internacional como espaço estratégico para angariar diversos recursos, gerar parcerias e estabelecer cooperação profícuas para o Desenvolvimento Nacional. A nossa Política Externa segue o princípio de auto-determinação dos povos, acreditamos e apoiamos a resolução pacífica dos conflitos e temos cordiais relações com os mais diversos países. 

 Está a dizer que se está num acertado caminho?
A nossa Diplomacia soube agir com muito malabarismo, num contexto bipolar de Guerra Fria, oferecemos para mediar e participar  em negociações internacionais e acordos de paz entre nações. Não cedemos o nosso Território para nenhum Estado atacar outro. Temos uma performance relevante na prestação de contas com as ajudas e recursos oficiais, via cooperação e outras modalidades. 

Por tudo isso, dispomos de um acervo importante, no âmbito da Política Externa, que pode fortalecer a nossa Diplomacia para novas perspectivas e desafios. Porém, não podemos contar apenas com o nível Internacional. 

 Como assim?
A Pandemia actual mostrou isso, claramente. Precisamos criar capacidades internas, fortalecer a nossa Diplomacia Económica e construir um País cada vez mais resiliente aos choques das dinâmicas globais. 

“Política Externa para os Países Africanos”

Traduzido por miúdos, o que deve ser feito?
Precisamos criar uma Política Externa para os Países Africanos. Ela precisa conter objectivos claros e princípios que reforcem o nosso pertencimento ao Continente. Cabo Verde pode partilhar várias ideias, aprendizados e soluções que acumulou através da Cooperação Técnica Internacional, gerados aqui, para outras partes do Continente, bem como trazer conhecimentos-soluções dos países-irmãos para os nossos desafios…

E o que dizer do trunfo estabilidade?
Exacto! Podemos, também, aproveitar da nossa estabilidade Política, Social e Económica, para sediar instituições importantes, tanto a nível da Região quanto  Continental. Temos muito a ganhar se apostarmos nas instituições de Ciência e Tecnologia, sediar base de dados, receber centros de inteligências, entre outros. Precisamos fazer parte, integralmente, do Continente Africano, que foi o passado, é o presente e será o futuro da Humanidade. 

“Embaixadores de carreira, também, conhecem a Política” 

Há vozes denunciando a proliferação de embaixadores políticos, em detrimento dos de cxarreira. Qual a sua leitura?
A Carreira Diplomática gera expectativas. A maioria dos quadros almeja ser embaixador numa grande cidade europeia. O Governo trabalha com uma Agenda de Política Externa que coadune com seus interesses e visão do Mundo, e isso pode afectar o tipo de embaixador a ser nomeado. A questão mais instigante para um analista é: por que o Executivo toma essa decisão? 

E qual a resposta?
Não é, necessariamente, porque desvaloriza os de carreira em detrimento dos políticos. Mesmo assim, posiciono-me em defesa dos embaixadores de carreira…

Com que argumentos?
Eles, também, conhecem a Política, dominam vários outros assuntos inerentes ao cargo e da própria Relações Internacionais. A Diplomacia não tem a ver, apenas, com o estreitar dos laços comerciais. Isso, a lógica do Mercado pode resolver. Diplomacia diz respeito a posicionar e defender o País num Mundo cada vez mais dinámico e veloz, e, ao mesmo tempo, interpretar as movimentações geo-políticas. E isso exige habilidades!

“Problema de conexão com a Diáspora”

Presentemente, está-se a aproveitar das potencialidades, capacidades, saberes e conhecimentos da Diáspora?
O Governo sabe que existe a Diáspora, mas há um problema de conexão.

Porquê?
A Diáspora sem uma ligação permanente e recíproca à Terra-Natal é como uma aeronave à deriva…no espaço. Estamos perdendo um grande potencial da Diáspora que, cada vez mais, se profissionaliza, são grandes cientistas, engenheiros, analistas, advogados, medicos e pesquisadores à disposição do nosso País. No entanto, quando essa Diáspora chega a Cabo Verde é como se caísse num terreno estranho. 

Como assim?
Encontram um sem-número de dificuldades para realizar parcerias, realizar projectos e/ou encontrar o primeiro emprego, caso decida ficar por aqui… 

Como alterar a situação?
Precisa-se de uma base de dados, que esteja em contacto permanente e actualizado sobre o que os cabo-verdianos na Diáspora estão pesquisando, quais as áreas de actuação, trabalhos publicados, patentes, produtos, ideias, entre diversos outros. Isso é importante porque, quando o Governo  e outras instituições do País desejam assessoria, resolução e análise de algum problema, a Diáspora estará pronta para isso. 

 

Pesquisa: falta financiamento…

Dispõe de alguns projectos para Cabo Verde?
Estou envolvido em algumas pesquisas académicas, mas, também, na área da Cultura e Literatura. Mas, financiar pesquisas tem-se tornado um grande desafio, em várias partes do Mundo. Em Cabo Verde, o desafio é maior em relação às fontes de financiamento de pesquisa e inovação. 

Em resumidíssimas piceladas, como foi “parar” ao Brasil?
Foi através do Programa de Estudantes-Convénio para Graduação e Pós-Graduação. Tudo começou em 2007. Em Março daquele ano, já estava a frequentar o Curso  de Relações Internacionais, na PUC de Minas Gerais (PUC Minas). 

Que repto deixa aos patrícios no Arquipélago e nas Diásporas espalhadas por esta Aldeia Global?
Estamos vivendo um momento desafiador para a Saúde, Educação, entre outras. Quero que se lembrem sempre, da palavra resiliência, que caracteriza muito os africanos. Sejam resilientes sempre e estejam seguros!

Percurso de Pedro Matos
Pedro Andrade Matos nasceu em Monte Grande, na Ilha do Fogo, no Concelho de São Filipe (em Cabo Verde). 

Fez os seus estudos primários na sua zona-natal e Secundário na Cidade de São Filipe. 

É Graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC  Minas); Mestre em Ciência Política (pela Universidade Federal de Minas Gerais);

Doutor em Relações Internacionais (pela PUC Minas); e  pós-Doutorado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável (pela Escola Superior “Dom Hélder Câmara”). 

Está de regresso a Cabo Verde, na companhia da Família (esposa e filho), “com o objetivo de morar e ajudar no desenvolvimento do meu País”.

Lecciona na Universidade de Santiago (Uni-Santiago), “que me acolheu, de braços abertos, para actuação como professor e com projectos inovadores”, onde ele pode colaborar.

“Tem sido uma jornada gratificante. Sempre pensei em voltar e trabalhar para a minha Terra, estar perto da Família, gerar novos projectos e parcerias académicas e profissionais”, revela ao A NAÇÃO. 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 720, de 17 de Junho de 2021

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