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Olhares de Lisboa: Flashes

Por: Filinto Elisio

As primeiras palavras escritas deste 2022 são de tristeza, enorme tristeza, pela partida do amigo Ivo Vera-Cruz, cujo falecimento no Dia Primeiro consternou Cabo Verde, figura marcante que era da comunicação social. A inevitabilidade da morte dá o mote logo neste ano a começar e o maquinado da vida vai em nós, por veredas outras…

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Entretanto, mesmo a esto e a estio, não se pode perder a ternura e deixar de saudar a coreógrafa e bailarina cabo-verdiana Marlene Monteiro Freitas, distinguida há dias com o Prémio Chanel Next, um reconhecimento internacional que visa apoiar e promover a inovação nas artes e na cultura. Em 2018, ela já havia ganhado o Prémio de Carreira da 12ª Bienal de Dança de Veneza. Viva Marlene!

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Dias antes, o filme-documentário “Alcindo,” de Miguel Dores, venceu o Grande Prémio Caminhos do Cinema Português. Para além disso, este filme sobre o assassinato de Alcindo Monteiro, de origem cabo-verdiana, por um grupo racista e xenófobo, em coreografia da morte, no Bairro Alto, a 10 de junho de 1995, conquistou o Prémio Universidade de Coimbra – Melhor Documentário.

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Falando em cinema, confesso que a minha infância, por veredas outras, foi também “Cinema Paradiso,” de Giuseppe Tornatore. Não só porque o meu pai, Anastácio Filinto, mas também Alcides Barros e Arménio Vieira (The Triple A) terem sido “presos políticos”, como organizadores do primeiro cineclube na cidade da Praia (1961), mas por cada edição da revista Cahiers du Cinéma chegar em voz alta na nossa casa para que linguagens como as do “O pays, Mon Beau Peuple!,”de Ousmane Sembène, do “Deus e o diabo na Terra do Sol,” de Glauber Rocha e do “Rashomon,” de Akira Kurosawa fossem apreendidas pelo nosso imaginário infantil e em gestação.

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Cinema paradiso a pensar na versão primeira do “West Side Story,” de Robert Wise e agora pelo remake de Steven Spielberg, a lembrar-me da história que “não sai de mim, não sai” do racismo e da discriminação, permeada pelo amor de Tony e Maria, ambientada de músicas e coreografias de sonho, que cantávamos num inglês inventado. Sem romantismo, mas sem perder a ternura.

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Aliás, o apelo de Leonardo Boff, sacerdote esclarecido e teólogo progressista, vem até nós com todas as letras e seus significados para este ano iniciado com a inevitabilidade da morte: “Ou mudamos de paradigma de produção, de consumo, de convivência e, especialmente, de relação para com a natureza, com respeito e cuidado, sentindo-nos parte dela e não sobre ela como donos e senhores, ou então realizar-se-á o prognóstico de Max Weber: poderemos de 2030 até no máximo 2050, conhecer um armagedon ecológico-social extremamente danoso para a vida e para a Terra.”

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Para este 2022, faço meus os mantras (que não têm de ser em sânscrito, mas apenas passarem por dentro da luz destes dias) de os sacerdotes cubanos do Ifá aconselharem a “ser humilde e simples, evitar a soberba e as más formas.”

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 749, de 06 de Janeiro de 2022

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