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Política

Integração de funcionários no quadro da Assembleia Nacional: Suspeitas de currículos falsos

Mais de duas dezenas de funcionários da Assembleia Nacional (AN) terão apresentado diplomas e certificados falsos no processo da sua integração no quadro de pessoal dessa instituição. Por via das dúvidas e sem meias medidas, a administração do Parlamento resolveu enviar todos os processos (71) para o Ministério Público para a verificação da autenticidade dos documentos apresentados pelos funcionários em causa.

Com o selo, alegadamente, de várias universidades e institutos que funcionam no país, cerca de 25 dos 71 funcionários da Assembleia Nacional, abrangidos no mais recente processo de integração no quadro de pessoal dessa instituição, terão apresentado diplomas e certificados de licenciatura falsos.

Denúncias dos lesados

Perante esse facto, alguns funcionários do quadro, que se sentiram lesados com a implementação do novo Plano de Cargos e Carreiras e Salários (PCCS) da AN, resolveram denunciar, junto do Conselho de Administração, situações alegadamente fraudulentas, em relação às habilitações literárias daqueles que foram integrados no quadro de pessoal a partir do dia 01 de Janeiro.

Ao tomar conhecimento das denúncias e por não ter mecanismos para atestar a autenticidade dos diplomas apresentados pelos visados, a administração da Casa Parlamentar resolveu encaminhar todos os 71 processos à Procuradoria Geral da República, com vista a uma análise minuciosa dos documentos, para depois agir, em conformidade com a instauração de processos crime, caso se venha a confirmar a existência de fraudes.

Caso entregue ao Ministério Público

Ao A NAÇÃO, o primeiro vice-presidente da AN, Armindo Luz, que, por inerência, é presidente do Conselho de Administração da Casa Parlamentar, confirmou as denúncias, garantindo que todos os processos foram encaminhados para o Ministério Público.

Contudo, este processo, que foi desencadeado em Abril do ano passado, nas vésperas das eleições legislativas, visava, segundo aquela fonte, regularizar um conjunto de “pendências” relacionadas com a “precariedade” laboral de vários funcionários, alguns com mais de 10 anos de trabalho na AN.

Foram aprovadas duas leis, uma em Março 2020, que define o PCCS e evolução profissional do pessoal da AN, e uma outra em Abril de 2021, que altera os artigos 69o e 71o do referido PCCS, que, segundo Armindo Luz, tinham como objectivo pôr cobro à situação de “precariedade laboral” em que alguns funcionários se encontravam.

Essa medida, que vem proporcionar uma maior estabilidade aos referidos funcionários, conforme aquele responsável, “foi amplamente discutida” e, em Abril de 2021, “foi tomada a decisão de resolver a situação de todos os precários” e, com isso, “os Grupos Parlamentares ficam impedidos de recrutar mais quadros externos à Assembleia”.

Sem margem para novos funcionários

Ou seja, com isso, o recrutamento passará a ser feito mediante mobilidade interna, dado que o orçamento do Parlamento já não comporta mais contratações ad hoc.

“A partir de agora não haverá funcionários novos nos Grupos Parlamentares, no início de cada legislatura, como vinha acontecendo”, as segura o nosso interlocutor.

A implementação plena do novo PCCS da AN, com a integração dos “precários” no quadro efectivo de pessoal, aconteceu no dia 01 de Janeiro, com a publicação da lista de 71 funcionários.

Foi a partir daí que as suspeitas começaram a surgir em relação às habilitações literárias de muitos dos contemplados com essa medida, à primeira vista, de foro meramente administrativo.

“Chegaram até nós algumas denúncias de que alguns documentos, emitidos por instituições credíveis, não estariam em conformidade e, a partir dessas denúncias, fizemos cópia de todos os processos e as encaminhamos para o Ministério Público, no sentido de nos ajudar a esclarecer esse assunto”, conta Armindo Luz, sublinhando que “não cabe a nós, Assembleia Nacional, fazer esse tipo de investigação”.

Crime punido pela lei

O primeiro vice-presidente da AN não quis avançar com o número de funcionários que estarão em situação de ilegalidade, e muitos menos as respectivas identidades, por entender que é um assunto que cabe ao Ministério Público esclarecer.

Porém, uma fonte bem posicionada disse ao A NAÇÃO que há pelo menos 25 diplomas “falsificados” e outros 11 em situação duvidosa.

Armindo Luz deixa, porém, bem claro que, provando alguma inconformidade, “a Assembleia Nacional, sendo a casa das leis, terá de agir conforme manda a lei”.

Isto é, os casos comprovados correm o risco de acabar na barra dos tribunais, por falsificação ou alteração de documentos, o que é proibido por lei.

De acordo com o Código Penal, no artigo 233o, a pena poderá ir de um a cinco anos de prisão ou de seis meses a quatro anos, “consoante o instrumento objecto da falsificação seja público ou particular”.

Custos não param de aumentar

FAIMO parlamentar

A integração de mais 71 funcionários no quadro de pessoal da Assembleia Nacional significa um aumento de despesas na ordem dos 21 mil contos, anuais, no orçamento da Casa Parlamentar.

Ou seja, uma “verdadeira FAIMO” (Frente de Alta Intensidade de Mão-de-Obra), na óptica de um antigo deputado, que diz ter batalhado muito no sentido de inverter essa tendência de transformar o Parlamento num lugar propício para a implementação de esquemas de “job for de boys”,

onde a cada mudança de governo vários elementos são integrados como pagamento de serviços eleitorais.

“A gestão da AN sempre foi um problema”, realça a nossa fonte, que considera que os custos do Parlamento aumentam de forma “assustadora” e que, por hábito, “fala-se de muitas gorduras do Governo, mas se não for lançado um olhar sobre toda a administração pública e as empresas, bem como as câmaras municipais, nunca mais reformamos o Estado”.

Ainda de acordo com a mesma fonte, os partidos políticos recrutam pessoas “sem critérios técnicos” e depois integra-as no quadro de pessoal, “transformando o Parlamento numa FAIMO bem remunerada, mas cheio de gente incapaz, politizada e com baixa qualificação”.

“Sei que os antigos presidentes da AN, António Espírito Santo, Aristides Lima e Basílio Mosso Ramos, muito se esfoçaram para atacar os problemas, mas o modelo de gestão da AN não facilita. O Parlamento tem um Conselho de Administração constituido por deputados que acabam, quase sempre, por se sucumbir às pressões e chantagens eleitorais dos funcionários”, realça.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 754, de 10 de Fevereiro de 2022

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