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Economia

Economista pede reajuste do salário mínimo

O economista José Agnelo Sanches defende o reajuste do salário mínimo como medida para fazer face à escalada de preços, devido à guerra na Europa. Alerta ainda para a necessidade de se criarem factores de resiliência, em Cabo Verde, porque “a crise pode ser longa” e a escalada de preços “vai continuar”.

Os tempos que se avizinham não são nada fáceis, mesmo que a invasão da Rússia à Ucrânia termine, agora. É que a Ucrânia e a Rússia estão entre os maiores produtores de trigo e milho, sem contar com a questão dos combustíveis. Uma eventual recuperação e retoma ainda vai demorar, com todas as consequências advenientes. As previsões são mundiais e, naturalmente, Cabo Verde, um país que depende em mais de 90% das importações, incluindo alimentares, não está imune.

Mesmo apesar das últimas medidas do Governo, para mitigar os impactos da escalada de preços e o acesso a bens essenciais de consumo, o certo é que as famílias, especialmente as de renda baixa, são as mais penalizadas.

E é precisamente para se repor o poder de compra das famílias que o economista e consultor Agnelo Sanches defende um reajuste no salário mínimo nacional, sendo que esta tem sido uma das reivindicações da população que se queixa que está tudo a aumentar “menos” os salários.

“Quando há uma subida generalizada de preços, também o salário, que é o custo de manutenção de mão-de-obra, deve ser reajustado. Não de trata de aumentos, mais sim de reajustes salariais face à inflação verificada”, argumenta o economista. Ainda que, admita, é algo que deve ser visto num quadro integrado de medidas, e uma questão a ser equacionada a médio longo prazo.

“Esforço” do Governo

Agnelo Sanches admite ainda que, de uma forma “global”, se deve “reconhecer o esforço” do Governo para “encontrar soluções de equilíbrio, por forma a compensar e mitigar os efeitos negativos da subida dos preços dos combustíveis e bens essenciais no país, e, eventualmente criar stocks de segurança para prevenir possíveis roturas”.

Assim, conforme já publicado no B.O., entre Abril e Junho, os preços do gás butano e dos combustíveis destinados à produção de eletricidade permanecerão iguais aos preços vigentes, aplicados pela ARME no corrente mês de março.

A excepção são os restantes combustíveis, cujo aumento não será superior a 5%, para garantir a estabilidade de preços. Estando, inclusive, que essa subida, dado os impactos internacionais da Guerra na Europa, poderia ser de 25%, caso não tivesse sido colocado o “travão”, por assim dizer, dos 5%.

Além disso, por exemplo, entre outras, as medidas incluem a redução da carga fiscal sobre o leite, para que os preços possam baixar em relação aos níveis actuais, sendo que os preços em vigor do milho, trigo e óleos alimentares, serão, segundo o Governo, “mantidos”, pelo menos até ao mês de Junho, “através de compensação financeira, tendo como base o preço médio das últimas importações pelo país”.

Inclusive, a propósito das medidas adoptadas, Ulisses Correia e Silva garantiu que irá ser reforçada a capacidade de stockagem de cereais a granel, assim como estender o período de oferta refeições nas cantinas escolares e aumentar a bonificação do preço da ração animal produzida pelas unidades fabris nacionais e vendida aos criadores do país, conforme regulamentação específica. O reforço da capacidade efectiva de stock de cereais a granel, segundo o B.O., deverá passar das cerca de 14 mil toneladas para as 32 mil, mediante parceria publico-privada.

Papel “estabilizador” e de “garante”

Contudo, Agnelo Sanches adverte que as medidas anunciadas pelo Governo, deverão ser “completadas e integradas de forma estratégica”, por forma a garantir a eficácia das mesmas. Até porque, como elucida, com o aumento de preços dos combustíveis e de bens essenciais, particularmente na Europa e África, “por terem como fornecedores diretos e indiretos a Rússia e a Ucrânia”, estas duas questões, constituem, hoje, um dos maiores problemas económicos nessas regiões.

“E, em Cabo Verde, um país distante dos principais mercados, importador de quase tudo que consome e tomador de preços, a situação particularmente das famílias fica mais complicada”, alerta.

Neste sentido, defende que o Governo tem de assumir um papel de “estabilizador e garante da criação de condições de mitigação”, mas também de “desenvolver fatores de resiliência”. Pois, esses aumentos dos preços “fogem” ao controlo do Governo, mas, como defende, mesmo no contexto de “muitas dificuldades”, este deve implementar medidas que “amorteçam os efeitos negativos da subida dos preços”. Especialmente, face a uma crise que parece poder vir alongar-se por um “período longo”.

Adequação orçamental 

Nesse contexto, explica que uma adequação orçamental “já se mostra necessária”, bem como “será necessária uma estratégica especifica de mobilização de recursos concessionais face ao elevado endividamento do país”.

Num momento em que países vizinhos, e parceiros, experimentam as mesmas dificuldades, na óptica de Agnelo Sanches, o Governo deve fazer um esforço para que haja medidas para fazer face à atual situação, tomando também como exemplo as medidas adoptadas por outros países que podem “ser aplicadas e adaptadas à realidade de Cabo Verde”.

Também, reafirma, o Executivo deve procurar soluções para “reajustes”, particularmente, “nos rendimentos das famílias de baixa renda, nomeadamente pensão social e salário mínimo, mesmo quando se sabe que haverá necessidade também do seu alargamento”.

Escalada de preços vai continuar

Perante a conjuntura internacional, este economista alerta que “tudo aponta para uma continua progressão quanto ao aumento de preços e com uma perspetiva de perda contínua do poder de compra das famílias”, pelo que, para um país como Cabo Verde que apresenta “índice de pobreza e taxa de desemprego ainda elevados”, as dificuldades das famílias “agudizam-se”.

Porém, para já, afirma que ainda “parece cedo para se ter perspetivas económicas bem trabalhadas”. De qualquer forma, perspectiva que se esperam, face às situações que já se verificam, “medidas de controlo da inflação com combinações de politicas fiscal e monetário, que possam implicar gastos públicos mais baixos, alguma evolução inesperada quanto arrecadação de receitas fiscais e de crédito à economia com possibilidades de impacto negativo no crescimento”. No médio prazo, alerta, a situação pode influenciar “negativamente o crescimento e taxa de desemprego”.

Tudo, diz, vai “depender da evolução e da profundidade da crise” e de medidas de antecipação, mas também, “da combinação de políticas, que deve situar-se num quadro de optimização”.

Crescimento económico pode ser travado

Até ao momento, Agnelo Sanches analisa que os dados económicos para Cabo Verde mostram que a actividade económica “continua a trajectória de recuperação”, porém,  a situação imposta pela invasão à Ucrânia pela Rússia “deixa antever um impacto económico negativo”, o que, no seu entender, “poderá travar o crescimento”, também em Cabo Verde.

“Mesmo assim, a economia do país deverá conseguir ultrapassar o nível da pré-pandemia. Mas ainda não dispomos de elementos de análise que nos permitam perspetivar com alguma propriedade a evolução de medio longo prazo. Contudo, apesar de Cabo Verde ser muito exposto aos choques externos, a sua pequenez, a disponibilidade dos seus principais parceiros e a relativa facilidade na mobilização de recursos, poderão permitir ao país criar condições para fazer face à situação e atenuar os impactos da crise”, finaliza.

Câmaras de Comércio

De notar que o A NAÇÃO, tentou ouvir, sem sucesso, as Câmaras de Comércio de Sotavento e Barlavento, numa reacção às medidas tomadas pelo Governo para mitigar os impactos da Guerra na Europa. A primeira não conseguiu reagir a tempo e a segundo não mostrou interesse.

Olavo Correia reconhece necessidade de intervenção do Estado

Numa mesa redonda promovida no início desta semana, entre Olavo Correia, vice-primeiro-ministro e ministro das finanças, e o director executivo do Banco Mundial, Alphonse Kpuagou, sobre a crise internacional e o seu impacto na economia africana, o governante cabo-verdiano defendeu que é preciso dar um “salto” para fazer face à dupla crise. Ou seja, a da pandémica e a da guerra na Europa.

Nesse contexto, Olavo Correia defendeu que é preciso “melhorar a governança e melhorar toda a gestão dos recursos disponíveis no continente”, bem como “aprofundar as reformas estruturais que vão possibilitar a diversificação da economia e a base produtiva”.

Igualmente, conforme escreveu na sua rede social, após o encontro, é necessário “intensificar, cada vez mais, o comércio intra-africano, por forma a que possamos criar as condições para reduzir a importação, em face das vulnerabilidades no que tange à evolução dos preços dos mercados internacionais”.

O mesmo reconheceu que, quer o FMI, quer o Banco Mundial “reagiram rapidamente no contexto da crise da pandemia da Covid-19, e também estão disponíveis para apoiar neste contexto da crise imposta pela guerra na Ucrânia”.

Ao nível multilateral, reconheceu que “vários instrumentos foram mobilizados – linhas de financiamento de acesso rápida, pelo Banco Mundial; direito a saques especiais, pelo FMI”, mas defendeu que “ainda é fundamental que novos recursos possam ser alocados para os países do continente africano para poderem empreender as reformas estruturais que necessitam neste contexto difícil”.

Relativamente a Cabo Verde, esclareceu que, em termos de previsão económica, neste momento, os dados apontam para um crescimento do PIB “em apenas 4%, contrariando as previsões anteriores que apontavam para um crescimento de 6%”, além de “uma deterioração muito forte ao nível da conta corrente; uma redução das receitas fiscais; uma grande pressão para o aumento das despesas fiscais”.

Isto tudo, “tendo em conta a necessidade de intervenção do Estado visando estabilizar os preços, mediante a alta pressão dos preços commodities energéticos e não energéticos no mercado internacional, mas também para garantir um quadro social cada vez mais estável”.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 761, de 31 de Março de 2022

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