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Sociedade

Auditoria ao Mercado do Coco: TdC está a fugir às suas responsabilidades, dizem especialistas

Fontes abordadas pelo A Nação consideram que o Tribunal de Contas (TdC) está a fugir às suas responsabilidades em relação a uma eventual auditoria às obras do Mercado do Coco na Cidade da Praia. Conforme argumentam, não existe nenhuma norma expressa que obrigue o Parlamento a suportar os encargos com uma auditoria por parte do Tribunal de Contas, que, em querendo, podia fazer uma auditoria a pedido ou por iniciativa própria, sem consumir grandes recursos.

As fontes do A Nação, consideram ainda que, havendo boa vontade, o Tribunal de Contas poderia extrair da denúncia os factos que poderão subsumir na prática de infrações financeiras, sejam elas sancionatórias e ou reintegratórias.

Estas opiniões de especialistas na matéria, ouvidos pelo A Nação, vêm na sequência das recentes declarações públicas do presidente do Tribunal de Contas, João da Cruz Silva, feitas após vários pronunciamentos públicos do PAICV, maior partido da oposição que, entre outras diligências, reclama uma auditoria às obras do Mercado do Coco, alegando haver indícios de corrupção.

Conforme esses especialistas, as declarações do presidente do Tribunal de Contas foram, de certa forma, contraditórias e pouco convincentes, porquanto, após o pedido feito pela Câmara Municipal da Praia (CMP), liderada por Francisco Carvalho, para que o TdC avance com uma auditoria, João da Cruz Silva afirmou que “a Câmara fez praticamente uma denúncia, mas não especificou as normas violadas”.

Por outro lado, também está em causa o facto de o presidente do Tribunal de Contas ter dito que a Câmara Municipal da Praia não tem competências para pedir uma auditoria e que só o Parlamento tinha essa prerrogativa.

Conforme um auditor contactado pelo A NAÇÃO, não era preciso a CMP fazer uma denúncia e muito menos identificar as normas violadas.

“É público e notório que existe um investimento público de grande monta, inicialmente, no valor de trezentos milhões de escudos, com recurso ao empréstimo obrigacionista junto da Bolsa de Valores de Cabo Verde (BVCV), que passado mais de uma década, não está concluída. Quer dizer não tem efetividade, não cumpriu com o propósito inicial, ter um centro comercial operacional e em funcionamento”.

 Prejuízos para a Câmara Municipal da Praia

Mais, a CMP vem suportando encargos com o serviço da dívida, reposição de capital e pagamento dos juros, no valor mensal de mais de vinte e seis milhões de escudos, sem qualquer retorno, com prejuízos evidentes pelo erário municipal. “A eficácia, eficiência e efectividade do projeto não existem”.

“Ao fazer a denúncia, nenhuma entidade tem de especificar de forma exaustiva, as normas violadas, cabendo ao TdC, extrair da denúncia os factos que poderão subsumir na prática de infrações financeiras, sejam elas sancionatórias e ou reintegratórias em sede de processo de efectivação de responsabilidade financeira”, realça.

Ademais, sublinha este especialista, a auditoria é um processo de acumulação de informações que visa emitir uma opinião com referência aos padrões estabelecidos, sejam eles princípios, normas, procedimentos e boas práticas, não sendo sede de responsabilidade financeira.

“Os factos extraídos de uma auditoria, que consubstanciam violação do direito financeiro e das normas e princípios e procedimentos da contabilidade pública, serão autonomizados e objecto dum processo próprio, de efectivação de responsabilidade financeira”, esclarece.

Por outro lado, qualquer cidadão ou entidade que tenha conhecimento de factos que constituem infração financeira, têm a faculdade e o dever de comunicar à entidade superior de fiscalização da actividade financeira pública, in casu, Tribunal de Contas de Cabo Verde.

“Não se compreende, que a entidade supostamente lesada, dona da obra, que arca com os prejuízos, face ao dispendioso serviço da dívida, sem o devido retorno até o momento, não tenha a faculdade de pedir uma auditoria financeira ao empreendimento, por concluir, há mais de uma década”, enfatiza o nosso interlocutor, sublinhando que, “sendo doutra forma, o Tribunal de Contas não estará a cumprir com as suas responsabilidades legalmente conferidas pela Constituição da República e demais legislação ordinária”.

 Parlamento chumba auditoria proposta pelo PAICV

O grupo parlamentar do PAICV perante tais declarações do presidente do TdC, apresentou uma proposta de resolução de auditoria às obras Mercado do Coco, que foi chumbada com os votos da maioria, deputados do MPD.

Perante esse chumbo João da Cruz Silva volta ao assunto afirmando que o TdC deu parecer favorável a um eventual pedido de auditoria por parte do Parlamento, “mas os custos têm de ser suportados pelo Parlamento, por imposição legal”.

Até porque, segundo o presidente do TdC, haveria necessidade de uma auditoria às estruturas das obras, que acarreta custos elevados, com recurso ao Laboratório de Engenharia Civil ou a engenheiros que o TdC não dispõe nos quadros.

Ainda que o Parlamento suportasse os custos, segundo João da Cruz Silva, o TdC tem os técnicos no terreno a cumprir com o plano de actividades o que “torna impossível cumprir com o pedido de auditoria”.

 Auditoria por iniciativa do Tribunal de Contas

Contudo, segundo o auditor, “não existe nenhuma norma expressa que obrigue o Parlamento a suportar os encargos com uma auditoria a pedido”. Admite, no entanto, que, no quadro duma colaboração institucional e no interesse das partes, pudesse o Parlamento participar com recursos financeiros para a concretização da operação de auditoria.

Entende que, querendo, o TdC podia fazer a auditoria a pedido ou por iniciativa própria, sem consumir grandes recursos, salvo o pagamento dos ordenados dos auditores, pois estando a obra sedeada na Praia, não existem encargos com o pagamento das passagens aéreas, com o alojamento e ajudas de custo.

Auditoria contabilística ou financeira

A nossa fonte advoga ainda que, o TdC faria primeiro uma auditoria contabilística ou financeira, para verificar os valores despendidos, até porque existe uma grande disparidade sobre o montante global gasto, com o PAICV a falar de um bilião de escudos e com o MPD a defender um montante é bem menor, ou seja, à volta de quinhentos milhões de escudos.

Igualmente, o TdC na posse dos contratos visados, tem informações quanto à regularidade e legalidade dos contratos de empreitadas assinadas a nível do cumprimento dos princípios normas e procedimentos da contratação pública, não carecendo sequer se deslocar à sede da CMP.

Na mesma senda, com a prestação de contas anuais pela CMP ao TdC, os serviços de apoio técnico desse tribunal, têm todas os dados das despesas consumidas no quadro das obras do mercado do Coco.

Auditoria temática com recurso a especialistas da construção civil

Em caso de desconformidades, dúvidas se os valores despendidos estejam realmente aplicados nas obras, podia o TdC, fazer uma auditoria temática, com recurso a especialistas na área da construção civil, para auxiliar no processo.

Afirma ainda o nosso interlocutor, que um plano anual de actividades, como diz o nome, é uma previsão de ações a realizar, podendo ser a todo o tempo, alterado por razões plausíveis, mormente no caso de um pedido do Parlamento.

Com relação ao critério de risco para determinar a realização duma auditoria, este auditor concorda com a opinião do TdC, discordando, no entanto, da sua “incoerência prática”, pois a área de construção civil “é sem dúvidas, uma das de maior risco de corrupção e delapidação de recursos, pois envolvem valores avultados, critério da materialidade, e exigem especialidades, que não estão ao alcance do cidadão comum.

Em suma, entende que o TC tem tido uma atuação de omissão, de fuga às suas naturais responsabilidades de assegurar que no caso, os gestores agiram com racionalidade económica, lisura e transparência das operações financeiras e outras conexas

Recorde-se que o Mercado do Coco começou a ser construído pela Câmara Municipal da Praia (CMP), então liderada por Ulisses Correia e Silva, actual Primeiro-Ministro de Cabo Verde. As obras tiveram continuidade no consulado de Óscar Santos, tendo-se registado vários pronunciamentos públicos por parte do PAICV, inclusive com pedido de intervenção do Ministério Público, alegando haver indícios de corrupção. Mais de uma década depois, essas obras ainda estão por concluir.

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