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Sociedade

Santiago e Porto Novo entre os mais afectados: Projeções apontam aumento da Insegurança Alimentar em Cabo Verde

A insegurança alimentar e nutricional, ou fome, está a aumentar em Cabo Verde. Pelo menos é o que apontam as projecções do Centro Regional AGRHYMET, uma instituição do Comité Inter-Estatal Permanente para o Controlo da Seca no Sahel (CILSS). Os dados para Junho/Agosto mostram que 41% da população estará, no Verão, a passar por insegurança alimentar, aumentando a amostra na ilha de Santiago para uma média de 51%, no geral, e 81% só em Santa Cruz. Mas há mais concelhos afectados e Porto Novo é um deles. O Programa Alimentar Mundial e o Ministério da Agricultura e Ambiente não comentam para já os dados.

Com sede no Níger, o AGRHYMET é uma instituição especializada do CILSS, que lidera a coordenação das projecções do Quadro Harmonizado e que analisam a situação alimentar e nutricional de uma série de países oeste-africanos, entre eles Cabo Verde, Benim, Burkina Faso, Chade, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo.

Relativamente a Cabo Verde, os dados do CILSS, lidos pelo A NAÇÃO, são claros e pouco animadores. No geral, seguem a tendência do que seria espectável, dada a situação de aumento de inflação vivida, nos produtos alimentares, que está afectar sobremaneira as famílias cabo-verdianas, em consequência dos impactos da Guerra na Europa.

Inflação essa que atingiu, como é do conhecimento público, números históricos de 1,9% em 2021, para 7,9% em 2022. Ou seja, o valor mais alto da última década.

Entre a pressão alimentar e nutricional e a crise

Mas, antes de irmos aos números e projecções sobre a situação alimentar e nutricional de Cabo Verde, plasmados no Quadro Harmonizado, é preciso conhecer a escala sobre a situação alimentar e nutricional dos países avaliados, que varia entre a Fase 1 (mínima) e a Fase 4 (de urgência).

Mas, a maioria dos municípios cabo-verdianos, já avaliados, como iremos ver mais à frente, variam entre a Fase 2 (sobre pressão alimentar e nutricional e a Fase 3 + (considerada já de crise alimentar e nutricional).

Esta Fase 3 + é uma espécie de antecâmara da situação catastrófica da Fase 4 (de urgência) pela qual passam, por exemplo, muitas crianças na Somália e que somos confrontados com essa realidade pelas notícias, diariamente.

Geralmente, em Cabo Verde, em questões de segurança alimentar e nutricional, as autoridades nacionais têm estado a fazer referência à Fase 3, a que chamam de insuficiência alimentar aguda, que é quando as pessoas não comem mesmo, resta saber se é um dia seguido ou mais.

Os mais afectados

Nesse contexto, os dados do CILSS para Junho/Agosto projectam que 41% da população cabo-verdiana estará a passar por insegurança alimentar e nutricional, nesse período, aumentando a percentagem na ilha de Santiago para uma média de 51%, no geral, e 81% só no município de Santa Cruz. Mas há mais concelhos afectados e Porto Novo, ilha de Santo Antão, é um deles, com uma percentagem ascender a 57%.

O quadro do CILSS mostra que dos 15.914 habitantes do Porto Novo, cerca de 5.570 (35%), se encontram na Fase 2 de pressão alimentar e 3.660 na Fase 3+, de crise, ou de insuficiência alimentar aguda para Junho/ Agosto. Este é, aliás, dos municípios com mais pessoas afectacadas pela Fase 3 +.

De notar que as projecções do mesmo Quadro Harmonizado datadas de Outubro/Novembro do ano passado, atestam este aumento. Pois, nessa altura, a percentagem de população na Fase 2 era de 28% e na Fase 3 + de 10%.

Igualmente, o Relatório das Nações Unidas, “Não Deixar Ninguém para Trás”, publicado em Maio de 2022, já dava conta de uma taxa de incidência de pobreza absoluta de 47,4%, neste concelho.

São Domingos, segundo as mesmas projecções, é um dos concelhos mais afectados, também. Dos 13.958 habitantes, 4.885 (35%), do total encontram- -se na Fase 2 de pressão alimentar e nutricional, enquanto 3.490, equivalente a 25%, estão na Fase 3 + de insegurança alimentar e nutricional aguda. Em termos de taxa de incidência da pobreza, os dados do relatório da ONU já referenciados apontavam para 37,8 % da população afectada por essa condição.

Ribeira Grande de Santiago e Santa Cruz também em alerta

Igualmente na Ribeira Grande de Santiago os dados são pouco positivos. Dos 7.632 habitantes, 40%, ou seja, 3.053 encontram-se na Fase 2, sobre pressão alimentar e nutricional, enquanto 2.366 pessoas (31%) estão já na Fase 3 + de crise, ou situação alimentar e nutricional aguda. Neste concelho, a taxa de incidência da pobreza absoluta é de 32,4%, conforme os dados do relatório das Nações Unidas.

Santa Cruz também contribuiu para que Santiago seja das ilhas mais afectdas nestas projecções do CILSS para Junho/Agosto em termos de insegurança alimentar e nutricional. Esse município, apesar de ser apontado como o celeiro de Cabo Verde, tem 13.752 (55%) dos seus 25.004 habitantes, em situação de pressão alimentar e nutricional, ou seja, na Fase 2.

De notar que 26% da população de Santa Cruz, ou seja, 6.501 pessoas estão a passar por uma situação de crise alimentar e nutricional, ou seja, Fase 3 +, também chamada de situação alimentar e nutricional aguda. O relatório das Nações Unidas aponta para uma taxa de pobreza absoluta de 61,7% a segunda mais alta do país.

Santa Catarina de Santiago também merece atenção

Já as projecções do Quadro Harmonizado para Santa Catarina de Santiago apontam que dos 37.472 habitantes, 9.368 (25%) encontram-se sobre pressão alimentar e nutricional, e 4.871 (13%) na Fase 3 +, antecâmara da urgência alimentar e nutricional. Neste concelho a taxa de incidência de pobreza absoluta rondava, conforme o relatório das Nações Unidas já citado, os 30,1%.

Também o concelho de São Miguel é dos que tem uma percentagem de população em regime de situação alimentar e nutricional de crise, ou aguda, acima dos dois dígitos. Dos 12.906 habitantes, 4.517 (35%) estão na Fase 2 de pressão alimentar e nutricional e 10%, ou seja, 1.291 pessoas em situação de Fase 3+ que levantam preocupações. Neste concelho, a taxa de incidência da pobreza absoluta é de 44,0%, segundo a ONU.

São Salvador do Mundo tem também a Fase 3+ acima dos dois dígitos, com  894 pessoas (12%) dos 7.452 habitantes a passar por situação de crise alimentar e nutricional. Na Fase 2 de pressão, encontram-se 35% da população (2.685 pessoas). Neste município a taxa de incidência da pobreza absoluta é de 47,4%.

Igualmente, as projecções para Tarrafal de Santiago inspiram alguma preocupação. Dos 16.620 habitantes, 1.828 enfrentam uma situação de crise alimentar e nutricional na Fase 3+ e 28%, ou seja, 4.654 estão sobre pressão, na Fase 2. Aqui, a taxa de incidência da pobreza absoluta é de 27,9%.

Municípios abaixo dos dois dígitos em termos de crise alimentar e nutricional

Depois, há vários municípios em que a percentagem de população afectada pela Fase 3+ de crise alimentar e nutricional, está abaixo dos dois dígitos, mas que nem por isso deixa de ser preocupante, tendo em conta que a Fase 2, caso não seja revertida com medidas, poderá evoluir para a Fase 3, mais preocupante, como já vimos.

Boa Vista, por exemplo, tem 1.009 de pessoas identificadas (8%) como estarem a passar por uma situação de crise alimentar e nutricional, Fase 3+, no total de 12.613 habitantes. Na Fase 2 está 30% da população, equivalente a 3.784 pessoas. Neste concelho a taxa de incidência da pobreza absoluta, conforme o já referido relatório da ONU é de 3,9%, a mais baixa do país.

Já em São Lourenço dos Órgãos, na ilha de Santiago, com os seus 6.317 habitantes, as projecções do Quadro Harmonizado dão conta de 442 (7%) pessoas em situação alimentar e nutricional aguda ou de crise, Fase 3+, enquanto 33%, ou seja, 2.085 encontram-se sobre pressão ou na chamada Fase 2. A incidência de taxa de pobreza absoluta aqui é de 51,6%, das mais altas do país.

Concelhos menos afectados pela Fase 3 +

Relativamente a São Vicente, a segunda maior urbe do país, com 74.016 habitantes, as projecções mostram que há uma percentagem elevada da população em situação de pressão alimentar e nutricional, cerca de 25%, equivalente a 18.504 pessoas e 1.202 (8%) sinalizadas na Fase 3+ de crise alimentar e nutricional.

Na ilha do Monte Cara a taxa de incidência da pobreza absoluta é de 25,5%. Depois, os dados permitem constatar que, por exemplo, municípios como Brava, Mosteiros, Santa Catarina (Fogo) e Tarrafal de São Nicolau, têm todos uma incidência de 5% de percentagem de população sinalizada na Fase 3+ de situação de crise alimentar e nutricional.

Enquanto Ribeira Grande de Santo Antão tem 8% e Paul 7% de população a passar pela mesma situação. De notar, contudo que na Ribeira Grande de Santo Antão as estimativas apontam que há 30% de população sinalizada na Fase 2 destas projecções do CILSS, estando sobre pressão alimentar e nutricional.

Já Sal, Maio e São Filipe, são os municípios com menos taxa de incidência na Fase 3+ de crise de alimentar e nutricional com percentagens de 2%, 3% e 3%, respectivamente.

Praia com 8% da população em situação de crise alimentar

Relativamente à capital do país, município da Praia, os dados mostram também uma evolução da questão da insegurança alimentar e nutricional neste que é o concelho mais populoso do país.

Se as projecções de Outubro/Novembro do Quadro Harmonizado do CILSS davam conta de 28.402 mil pessoas (20%) na Fase 2, entre os 142.009 habitantes, os dados para Junho/Agosto apontam um aumento de 8%. Ou seja, há 39.763 habitantes sinalizados em situação de pressão alimentar ou nutricional.

Esse aumento verifica-se também no que toca à percentagem de população na Fase 3+, de situação aguda alimentar e nutricional ou de crise. De uma percentagem de 5% nas projecções de Outubro/Novembro passado, os dados apontam agora para um aumento que atinge os 8%. De notar que a taxa de incidência de pobreza absoluta na Praia é de 22,3%.

Estudo financiado pelo Banco Mundial em fase de análise

A NAÇÃO sabe que houve um estudo financiado pelo Banco Mundial sobre a questão da segurança alimentar e nutricional, efectuado em Novembro do ano passado, que foi liderado pelo Ministério do Ambiente e Agricultura (MAA) e cujos resultados, segundo confirmamos junto do próprio Banco Mundial, ainda não são conhecidos.

Entretanto, a nossa reportagem contactou o MAA, que através de Rosa Semedo, responsável pelo Secretariado Nacional para a Segurança Alimentar e Nutricional, confirmou que esse ministério, em colaboração com outras instituições, conduziu um inquérito nacional sobre a vulnerabilidade alimentar e nutricional das famílias, em Novembro 2022, com o financiamento do Banco Mundial e do Governo de Cabo Verde.

“Os resultados não foram apresentados; estamos na fase de análise”, atestou aquela responsável avançando que “assim que tivermos dados actuais sobre a situação da segurança alimentar e nutricional, partilharemos”.

Igualmente, esta reportagem tentou obter uma análise destas projecções do Quadro Harmonizado, por parte da representação do Programa Alimentar Mundial (PAM), em Cabo Verde, liderada por Cláudia Rodrigues.

Contudo, essa responsável avançou que “os dados do Cadre Harmonize ainda estão sendo analisados pelo Comitê Técnico a nível regional” e que “os resultados e as devidas análises serão transmitidos num comunicado em conjunto com os parceiros, assim que estiverem disponíveis”

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 813, de 30 de Março de 2023

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