PUB

Colunistas

Os efeitos tenebrosos da Covid 19

Por: Germano Almeida

Ninguém estranhará se daqui a algum tempo se vier a responsabilizar a Covid 19, e também a guerra na Ucrânia, pelo tenebroso acórdão do nosso Tribunal Constitucional que confere privilégios supra constitucionais a algumas práticas extra direito constituído e ora classificadas como “costumes”, até  mais poderosos que a própria Constituição da República.

Custa ver isso porque construir essa Constituição deu trabalho. Foi preciso muita fé, muito empenho para pacientemente estudar, discutir por longas horas, até deixar tudo com a maior clareza possível para a aprovação geral. Há aquele brocardo em latim que traduzido será: o que está claro não precisa de interpretação!

  Falsa asserção! Como aliás o acórdão do TC está a provar ainda que com escândalo: nada é claro, tudo pode ser dito e desdito, a verdade de hoje será a mentira de amanhã porque faz parte da dialética, não há sim que não contenha um não. 

 Sobretudo nos últimos tempos, quando tudo de mau que tem acontecido em Cabo Verde, inclusivamente as permanentes avarias dos velhos navios que deviam ligar as ilhas, é atribuído àqueles dois. Felizmente que ambas têm costas largas, tal como as sequelas do colonialismo que nos acompanharam por largos anos. 

  Mas pensando bem, acusar, quer a Covid 19, quer a guerra da Ucrânia, pelo clamoroso desatino do nosso TC será uma boa opção nacional: retirar de nós todos tal anátema, o perverso anátema de termos trocado um claro preceito constitucional por um duvidoso costume! Isso porque sem dúvida que nós precisamos ter um TC. Porém, um TC em quem confiar porque não anda a reboque dos momentos políticos. E o atual, com essa decisão estapafúrdia, diga-se francamente, fez-nos perder toda a fé e confiança que se pudesse ter nas suas decisões. 

 Há quem pretenda que esse acórdão do TC só pode ter sido um frete encomendado para salvar a face de algum outro serviço público. Porém, ninguém está a imaginar uma instituição com os pergaminhos do TC (o nosso pode ainda não ter pergaminhos de seu, porém essas honrarias apanham-se no ar de tempo, é uma espécie de património universal que se herda pelo simples facto de inerência do uso do nome. Enfim, no caso, esse sim, um verdadeiro “costume”) a fazer frete a seja quem for. 

 Ou então, a ter havido realmente algum frete, só se foi um frete ao Parlamento, cuja honra o TC terá feito questão de querer salvar. Inutilmente, diga-se desde já! Porque como ninguém acredita na hipotética constitucionalidade desse “costume” contra a Constituição, ambos acabaram saindo pessimamente dessa embrulhada que infelizmente não nos honra como país.

   Mas se ninguém concebe, sequer imagina, o TC a fazer fretes, até porque pelo nome que ostenta, tem que ser uma instituição impoluta, que pode então ter acontecido?

  Essa é uma grave questão que tem tirado o sono a muita gente: se o TC toma o freio nos dentes e começa por aqui a desbaratar os acórdãos que lhe derem na real gana, sem que surja um domador com energia suficiente para o deter, não estará muito longe o dia em que teremos o governo dos juízes, que sequer passaram, não digo pelo crivo, mas pelo menos pela exposição pública de uma eleição. 

 Há o justo receio de os juízes em geral começarem a acreditar que foram elevados à dignidade divina, e a partir daí, tudo que produzem se transforma em artigo de fé.

 Não seria incomum. Quem conhece a história sabe isso muito bem. Calígula afirmou que ele próprio era deus, e o seu cavalo também. E obrigou os romanos, isto é, os nobres romanos, a adorá-los de joelhos. Porém, no caso dos nossos juízes constitucionais, eu não soube de nenhum congresso ou convenção, ou seja, o que for que lhes tivesse outorgado tal dignidade. A menos que isso advenha simplesmente da cerimónia da tomada de posse, que eles terão considerado uma verdadeira investidura divina que os colocou acima de simples conceitos acerca do bem e do mal.

  O real problema com alguns juízes, é que eles têm estado a desrespeitar o nosso bom senso. De forma desenfreada. E também o nosso sentido de justiça, esse sim, um verdadeiro costume ínsito em nós todos, e acredito que nesses juízes também. Ora condenar um homem a sete anos de prisão por aquilo que está provado na sentença do Amadeu Oliveira é de uma violência atroz que não devia deixar ninguém indiferente, particularmente aqueles habituados a lidar com questões de direito.

 Mas não apenas desrespeitar o nosso bom senso. Também se nota um excesso de zelo que numa instituição como o TC excede o aceitável e faz lembrar aqueles empregados das lojas de comércio ansiosos por mostrar competência junto dos seus patrões e por isso quando a gente pergunta, tem pregos à venda?, ele logo responde prestável, Não tenho pregos, mas tenho martelos.

 E é nesse sentido que então se poderia eventualmente falar de frete constitucional levado a efeito pelo TC, se esse não fosse uma instituição nacional ainda jovem, sem histórico reconhecido e portanto carente de compreensão e eventualmente até de apoio, se essa decisão em si violenta, não implicasse, ou pelo menos a prazo não pudesse vir a implicar com as nossas vidas, implicando no entanto e no  imediato com a vida de um homem que foi preso através de métodos em si de todo repreensíveis e que literalmente envergonham o chamado estado de direito em que apregoadamente, mas infelizmente não na prática real, se diz que nós vivemos. 

  Assim, terá que ser reconhecido que Amadeu Oliveira está sendo punido para além do que se poderia considerar razoável. Foi pena o Tribunal Constitucional ter perdido a graciosa oportunidade que teve de pôr termo a esse doloroso e vingativo processo que vai ficar como uma mancha indelével no nosso judiciário, destronando com léguas de distância o torpe processo da reforma agrária. 

Mas em vez disso, o Tribunal Constitucional, com uma inadmissível inconsciência que ninguém achava que fosse possível, preferiu confirmar um absurdo, não considerando o direito um conjunto de normas razoáveis conducentes ao bem social, mas antes um simples instrumento que se usa e se aplica à vontade de quem manda.

PUB

PUB

PUB

To Top