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Covid-19: estamos longe, muito longe de uma grande desgraça económica

Por: António Carlos Gomes

O futuro de Cabo Verde não pode estar nas mãos do setor do turismo, pelo menos por agora, porquanto autoridades da Organização Mundial do Turismo (WTO na sigla inglesa) afirmam que só em 2022 se poderá sonhar com o início do regresso à normalidade. 

Não é, pois, razoável, nem desejável, que um motor assim gripado possa ser a aposta de qualquer Governo.  Temos sim, e esta é a melhor oportunidade económica que a Covid 19 nos oferece, de começar, seriamente, a pensar na promoção e desenvolvimento de outras potencialidades e a dar uma atenção acrescida ao desenvolvimento industrial neste Cabo Verde que teima em nada produzir.  

Abandonar discurso de catástrofe económica 

Para tal, temos que abandonar, imediatamente, o discurso de que estamos perante uma grande catástrofe económica e valorizar a experiência da Prolact expandindo-a aos demais setores da atividade económica. 

Na verdade, estamos longe, muito longe, de uma grande desgraça económica e só se fala de calamidade devido a esta doentia obsessão pelo crescimento negligenciando a essência da economia. 

De facto, o desempenho da economia não deve ser avaliado pela evolução do Produto Interno Bruto, mas sim pela quantidade de indivíduos que se sentem realizados no quadro do modelo económico vigente. 

O valor acrescentado não se mede, em consequência, em termos monetários, mas sim em termos de acréscimo de famílias e de indivíduos que se sentem realizados. A isso, chama-se prosperidade partilhada. E assim é porque é a pessoa humana e o grau de realização pessoal que constituem a essência da economia. Não vale a pena, por exemplo, dizer que a Africa está a crescer e ter a sua juventude a morrer no Mediterrâneo ou a ser escravizada na Líbia. Apenas a estupidez económica levaria alguém a exaltar o crescimento perante tamanha desumanidade que é deixar morrer o futuro da África no Mediterrâneo.

A Covid-19 não destruiu cidades como o fez a Segunda Guerra Mundial; a Covid-19 não destruiu infraestruturas (pontes, portos, aeroportos, fábricas, estradas, caminhos de ferro, escolas, hospitais, etc.) como o fez a Segunda Guerra Mundial; a Covid-19 não matou milhões e milhões de europeus como o fez a Segunda Guerra Mundial; a Covid-19 não tornou os mares inavegáveis como o fez a Segunda Guerra Mundial.  

E, apesar desta verdadeira catástrofe, finda a guerra, o mundo, principalmente o Ocidente, conheceu trinta anos de bonança e de prosperidade que ficaram registados como anos dourados. E estes anos gloriosos foram travados por aqueles que têm uma abordagem obsessiva do crescimento do produto interno bruto.  E é esta mesma escola que produz, hoje, o catastrofismo económico face ao Covid-19. 

Resposta à situação criada pela Covid-19 

Ontem como hoje, a ciência económica e a história têm resposta à situação criada pela Covid 19. Na verdade, o que está a acontecer, agora, é, em termos económicos, uma forte tempestade que abrandou o ritmo e a intensidade da atividade na economia real. A Terra agradece e os economistas objetores do crescimento (corrente minoritária) rejubilam.

 Pode este abrandamento traduzir-se num choque de oferta, mas repare, caro leitor, que o comércio internacional pouco ou nada ressentiu da Covid-19 e que o setor da produção imaterial da riqueza continuou a funcionar a pleno gás porquanto nenhuma praça financeira se fechou. 

Não estamos, pois, perante uma calamidade económica, mas sim diante de uma simples e momentânea dor de cabeça cuja aspirina adequada pode ser encontrada nas páginas da História Económica do século vinte.  

A Covid-19 não provocou nenhuma catástrofe? Pode, legitimamente, perguntar. Claro que a Covid-19 provocou uma grande catástrofe, mas ela é de natureza social e não económica. Famílias ficaram destruídas com a morte de um dos cônjuges e a consequente perda de rendimento; acumularam dívidas que vão ter que pagar no futuro, pois a suspensão do pagamento, por exemplo, das rendas de habitação é diferimento no pagamento e não anulação da dívida podendo, por esta razão, muitas delas se encontrar sem abrigo findo o prazo da graça. E esta perda de rendimento pode, também, levar a um choque da procura de efeito económico gravoso para a economia se não houver o bom senso e a coragem para enviar ao lixo o discurso do assistencialismo e para executar políticas de apoio às famílias. 

A classe média europeia, e não só, foi duramente atingida e teve que aprender, no duro, o que a vida é ao fazer a fila para ser atendida num banco alimentar.  Ela nunca mais voltará a estigmatizar aqueles que a vida e o sistema condenaram a filas às portas de um banco alimentar.

Saque dos recursos do Estado

É que todos os estudos, pelo menos na minha área de especialidade, demonstram que as pessoas preferem ter emprego que receber subsidio de desemprego ou estar à porta de um banco alimentar. O sistema cria desemprego e depois nega e estigmatiza a solidariedade com o patético discurso de assistencialismo ao mesmo tempo que pede ao Estado socorro quando as coisas correm mal e redução de impostos em tempos de vacas gordas. 

Por aqui, infelizmente, vamos continuar a ouvir a idiotice do assistencialismo pois os da classe média, todos ou quase “fepu”, têm a boca num dos mamilos do Estado até mesmo aqueles que se dizem de profissão liberal com as suas eternas e inúmeras consultas e avenças.  Pelo saque que faz aos recursos do Estado, não haverá classe média nas fileiras do banco alimentar pelo que vamos ter que ouvir leituras destorcidas e estigmatizante do quadro social feitas por aqueles que nunca, ou quase nunca, cortaram o cordão umbilical com o Estado e que ignoram, propositadamente, que o que nos está pela frente pode ser bem pretinho para as nossas gentes. Já imaginou se voltar a não chover este ano? É, a Covid-19 não provocou uma catástrofe económica, mas sim social.

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