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Epistemofobia Jurídica

Por: Billy Balton Brito*

Com a chegada do fenómeno das redes sociais em Cabo Verde e da sua respectiva massificação, entranhando no âmago do Cabo Verdiano que, ainda que sem saber, tornou o Facebook na personificação do exercício do direito fundamental à liberdade de expressão, em que os usuários por autossabotagem sentem-se obrigados a terem uma opinião sobre todos os assuntos, independentemente da sua àrea de formação ou aptidão, restando aos internautas a mera impressão que a sua simples existência no mundo é suficiente para dotá-los de um macro conhecimento empírico sobre todos os campos do saber.

Como Jurista, cada vez mais, situa na minha mente a convicção de que a disciplina mais importante no curso de Direito é a Filosofia do Direito. No entanto, quando estávamos sentados nos bancos da Universidade, era a disciplina mais odiada e criticada por muitos alunos. Tanto é que, nos dias de hoje, muitas Universidades expurgaram a disciplina do plano curricular, quase que por mera petição iletrada e verbal, gerando posterior e até mesmo imediatamente, análises e opiniões medíocres, infantis e incoerentes sobre a Justiça em Cabo Verde. Somos nós os Juristas quem têm a responsabilidade social de transmitir, de forma simples e prática, o mundo jurídico aos leigos da sociedade que por dignidade da pessoa humana, são merecedoras de conhecimento jurídico mediano, embora muitos usuários destas redes sociais sofram de uma dislexia jurídica popular, autoproclamada como subterfúgio para a manifestação de uma frustração social muitas vezes infundada. Tenho presenciado vários comentários e debates virtuais onde existe pouca argumentação legal e quase nada de fundamentação tecnicamente validada. Mas o que mais desaponta é a falta de etiqueta digital que intimida e afasta os gentlemen das redes sociais, esvaziando-se no meio de tanta deselegância argumentativa. Muitas vezes, o ridículo se torna ilícito e censurável por flagrante  violação da honra de outrem, no qual o comentador emocionado, munido de desdém à dignidade da pessoa humana, dispara ofensas gratuitas contra a honra do outro que pensa e fundamenta diferente.

Quanto ao público, este tem demonstrado e servido de prova física que o país precisa urgentemente de melhor investimento na qualidade da educação, para uma melhor instrução normativa e também de Justiça Jurídica. Este tem demostrado ser facilmente influenciado e usado como instrumento bélico por poderosos dissimulados, cuja verdadeira personificação é desconhecida pelas massas. A rotulada e conhecida “corrida de ratos” continua secular, sendo a limitação cognitiva a sua principal ferramenta de manutenção contínua.

Hoje em dia muitos criticam a Justiça e consequentemente o Direito, transmitindo tacitamente a ideia que vivemos no País das Maravilhas em que no primeiro dia faz-se a execução, no segundo dia o julgamento e só no terceiro dia se comete o crime.  Mas de onde vem tanta autoridade intelectual para se pronunciar sobre o assunto? Quantos livros já leram sobre a Justiça e sobre o Direito? Quantas horas de reflexão já fizeram sobre o assunto? Quem foi o seu professor? Já, ao menos, lestes a Constituição da República? Tens certeza que ao menos lestes o primeiro artigo? A “Achologia” tem se tornado o princípio da inteligibilidade, sobrepondo ao conhecimento plasmado em décadas de dedicação ao estudo, realizado por poucos e muitas vezes despidos de qualquer instrumento institucional oficial conhecido como diploma ou certificado. A moda do “eu penso” e do “eu acho” se tornou viral entre os internautas, usando alguns pseudo informados a argumentação legal falaciosa de que se “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas” é porque o legislador legitimou a todos os cidadãos o poder de apresentarem argumentos jurídicos sólidos e credíveis.

É deveras fáctico, que encontramos em plena crise sanitária em que a saúde pública se encontra em cheque, no entanto, é a Justiça que surge no centro dos holofotes como assunto causador das maiores excitações da opinião pública, a ponto de vencer pela sua audiência até mesmo as questões relacionadas com a saúde pública. A Justiça se tornou slogan, meta e um busílis revolucionário.

Com isto, não estou escrevendo que o mundo Jurídico está bem ou mal, estou escrevendo que nem todos, por falta de preparação educacional suficiente, estão preparados para discutir este tema tão complexo. Ainda temos pessoas em Cabo Verde, que querem opinar através das Redes Sociais, mas não sabem que o ponto de interrogação simboliza uma pergunta (isto ficou provado num comentário de um internauta reagindo a um post meu).

Hoje temos licenciados que nunca ouviram falar de Karl Marx e nem sabem quem foi Adam Smith. Assim como temos alunos do 12° ano que não sabem fazer uma equação de segundo grau.

O país precisa de muitas coisas, mas vamos começar ESTUDANDO, LENDO, PESQUISANDO. Estou a acompanhar uma geração que não tem paciência para ler, que ainda insiste na falácia de “estudar para passar de ano”. A salvação do país deve ser um sistema educacional firme e prático, feito à nossa medida, tendo em conta os nossos desafios, o nosso clima, a nossa história, a nossa cultura e os nossos valores.

Com o regresso às aulas, temos mais uma vez a oportunidade de fazer as coisas não de forma diferente, mas de forma aprimorada e mais adaptada, partindo da responsabilidade de todos os intervenientes do processo socioeducativo, em busca da salvação dos neo estudantes que poderão ter o poder de salvar a nação a nível emocional, intelectual e consequentemente económica.

*Inscrito na Ordem dos Advogados de Cabo Verde

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 731, de 02 de Setembro de 2021

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