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Câmara Municipal de São Vicente – A hora do controle da legalidade(III)

Por: Valdemiro Tolentino

1.2 O (não) cumprimento da legalidade pela Câmara

A Câmara Municipal, enquanto órgão colegial, tem poderes efectivos sobre a acção do Presidente da Câmara.

Nos termos do Artigo 92º (Competência) 2. “Compete à Câmara Municipal, no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços, bem como no da gestão corrente: q) Ratificar, modificar ou revogar, nos termos da lei, os actos praticados pelo Presidente da Câmara Municipal ou por funcionários ou agentes municipais”;

Pode a Câmara, em caso de continuado atropelo das leis pelo Presidente, solicitar que a Assembleia Municipal assuma o seu papel de fiscalizador da acção da Câmara e, por inerência, do seu Presidente.

Assim, pode, ao abrigo da SECÇÃO II Da Assembleia Municipal Artigo 77º (Convocação das sessões) “2. As sessões extraordinárias são convocadas pelo presidente por sua livre iniciativa, ou solicitação: a) Da Câmara Municipal;” convocar sessão para o efeito.

Também, pode a Câmara, enquanto órgão colegial, solicitar a intervenção do Governo nos termos do   Artigo 125º (Competência do Governo) “Compete ao Governo determinar a realização dos actos referidos na alínea a) do número 2 do artigo antecedente, por sua iniciativa ou a solicitação dos órgãos municipais, entidades ou organismos oficiais ou em consequência de queixas fundamentadas de particulares devidamente identificadas”.

Para lembrança, eis o estipulado na alínea a) do número 2 do Artigo 124º (Tutela inspectiva) “2. No exercício da tutela inspectiva estabelecida no número antecedente, cabe ao Governo, designadamente: a) Ordenar inspecções, inquéritos, sindicâncias e averiguações aos órgãos e serviços municipais”;

1.3 O (não) cumprimento da legalidade pela Assembleia Municipal (AM) 

Vasta competência tem a AM relativamente à Câmara Municipal. Assim o Artigo 81º (Competências)” 1. Compete exclusivamente à Assembleia Municipal: c) Acompanhar e fiscalizar a actividade da Câmara Municipal e dos serviços municipalizados j) Tomar posição perante os órgãos da administração central sobre assunto de interesse para o Município; k) Apreciar e revogar actos dos órgãos executivos municipais, à excepção dos praticados por estes no uso de competência própria”.

Ora o adequado funcionamento da Camara Municipal é “actividade” cuja apreciação e tomada de posição pode ser objecto de deliberação pela Assembleia Municipal, nas suas reuniões, ordinárias ou extraordinárias.

Poderá a AM fazê-lo por iniciativa própria, por solicitação da Câmara Municipal, ou ainda, nos termos do artigo. Artigo 77º (Convocação das sessões) “d) De um número de cidadãos eleitores inscritos no recenseamento eleitoral equivalente a quinze vezes o número de membros da Assembleia Municipal”.

A deliberação da AM poderá ser de sugestão, recomendação sobre a atuação da Câmara Municipal.

No limite, e se assim o entender, pode a AM solicitar a acção do Governo nos termos do Artigo 125º (Competência do Governo).

1.4 O (não)cumprimento da legalidade pelo Governo

As relações Municípios/Governo estão definidas no CAPITULO VI Relações entre o Estado e o Município.

O Artigo 124º (Tutela inspectiva) determina que ”1. O Governo fiscaliza a gestão administrativa, patrimonial e financeira do Município, com vista à verificação do cumprimento da lei”.

No ponto 2 do mesmo artigo, está estabelecido que cabe ao Governo, designadamente:

“a) Ordenar inspecções, inquéritos, sindicâncias e averiguações aos órgãos e serviços municipais;

b) Solicitar e obter dos órgãos municipais informações, documentos e esclarecimentos  que permitam o acompanhamento eficaz da gestão municipal”.

Mais estabelece o Artigo 125º (Competência do Governo) “Compete ao Governo determinar a realização dos actos referidos na alínea a) do número 2 do artigo antecedente, por sua iniciativa ou a solicitação dos órgãos municipais, entidades ou organismos oficiais ou em consequência de queixas fundamentadas de particulares devidamente identificadas”.

A formulação da lei é duma clareza e simplicidade, que, em teoria, permite que a fiscalização da legalidade pelo Governo se processe de forma rápida e eficaz, perante iniciativa própria ou a pedido.

Aos órgãos municipais, Câmara e Assembleia Municipal e, até, aos próprios cidadãos, caberá fazer uso do que estabelece a lei e exigir do Governo a accão legalmente prevista.

1.5 O cumprimento da legalidade pelos tribunais

Como expediente último, em tese, fica o recurso aos Tribunais. Pressupõe-se que, para chegar a esse nível, se esgotaram todas as opções de natureza política e administrativa graciosas e não contenciosas.

É que, perante a persistência na actuação ilegal do Presidente, caberá solicitar aos Tribunais confirmar a ilegalidade, e, subsequentemente, solicitar a sua perda de mandato, como saída para o impasse.

Efectivamente, o Artigo 59º (Perda do mandato) 1. Perdem o mandato os titulares de órgãos municipais que: c) Incorram por acção ou omissão em ilegalidade grave ou numa continuada prática de actos ilícitos, verificados em inspecção, inquérito ou sindicância, ou, expressamente reconhecidas por sentença judicial definitiva;

Como se pode constatar, o Governo, no exercício da sua tutela inspectiva, dispõe de ferramentas simples e expeditas para constituir um dossier e apresentá-lo ao Ministério Público para o processo de perda de mandato do titular incumpridor.

Dispõe o Artigo 134º (Ilegalidades graves) 1. Salvo ocorrência de causa justificativa, constitui grave ilegalidade, nomeadamente:

a) O não cumprimento reiterado das recomendações da inspecção administrativa e financeira;

b) A não realização periódica das sessões da Assembleia, nos termos do artigo 75º e das reuniões das Câmaras, nos termos legais;

Basta inspecionar, constatar os incumprimentos, solicitar a sua correção e conformidade com a lei e os regulamentos. Em caso de persistência resta agir sobre o incumpridor.

E o próprio processo de perda de mandato, tal como formulado na lei específica, reveste-se de aparente simplicidade e celeridade.

O recurso civil corrente é que infelizmente se caracteriza por um obstáculo que vem sendo a tábua de salvação dos prevaricadores do direito administrativo. É que esse recurso contencioso é dirigido ao Supremo Tribunal da Justiça ao abrigo do Dec. Lei 14-A/83, tão velha e desadequada aos novos tempos, mas que os sucessivos governos fazem questão de não actualizar para que objectivamente o cidadão tenha um direito só no papel.

Na prática, vem representando justiça, que, quando feita, é normalmente fora de horas, uma eternidade que não se compadece com a urgência da resolução dos problemas que se colocam.

Daí a atitude altiva de Augusto Neves (bem como de muitos titulares de funções político-administrativas ), convidando os que contestam os seus atropelos, que se dirijam aos Tribunais onde, ao contrário do cidadão corrente, ele (s) não paga (m) nada, nem advogado nem despesas judiciais, o que demonstra de forma clara a desigualdade de posições no processo.

2. Negociações (?)

Perante o quadro existente na Câmara Municipal de São Vicente, para alguns, a solução passa pela realização de negociações.

Assim, pensam, não somente muita gente nas redes sociais, mas gente com relevância política como sejam o sr. Presidente da República, o Presidente da UCID e o Presidente da Comissão Política de São Vicente do PAICV, conforme se pode constatar pelas suas declarações na imprensa inscrita e nas redes sociais.

O próprio Augusto Neves, em declarações a 20 de Abril de 2022, conclama à negociação chamando “os partidos pelos quais os vereadores da oposição foram eleitos pelas suas listas”.

Mas negociar o quê? O cumprimento da legalidade ? 

Quem vai negociar? Os partidos ou os vereadores eleitos que têm assento na Câmara Municipal?

Eles parecem querer desconhecer o carácter autoritário de Augusto Neves que ele  vem manifestando desde a eleição da Mesa da Assembleia Municipal de São Vicente . Para eles, política é  (pode ser) isso.

É o próprio Augusto Neves que a 11 de Março, respondendo à denúncia dos vereadores de que ainda não assinou o memorando de entendimento do ano passado, argumentou que o documento foi assinado “há mais de três meses”, mas decidiu reter o documento devido às questões relatadas e porque os vereadores “querem competências do presidente”. 

Ele omitiu e a comunicação social não se deu ao trabalho de informar o facto de que esse memorandum de entendimento foi “negociado”, por um lado, pela Mesa da Assembleia Municipal e representantes dos Grupos Politicos na mesma (MPD, UCID, PAICV), e, por outro lado, pelos vereadores da Câmara, Augusto Neves incluído.

Que, em reunião ampla na sede da Assembleia Municipal, foi lido o seu conteúdo e o mesmo foi assinado  por todos os vereadores com a excepção de Augusto Neves, que, ao ser-lhe dado para esse fim , não só, não o fez, mas apropriou-se dele e “sequestrou-o” até esta data.

Desafio os vereadores que o subscreveram que façam a publicação do seu conteúdo para devida informação dos munícipes e da opinião pública.

Será que se pode “negociar” algo com este personagem?

Termino, reiterando o que escrevi no primeiro artigo, sobre a situação na Câmara Municipal: “Ou Augusto Neves entra de vez na legalidade, cumprindo as deliberações da CMSV, ou se quiser continuar à margem da lei, haverá que agir para o corrigir, ou, no limite, determinar o seu afastamento”.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 767, de 12 de Maio de 2022

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