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O MORIBUNDO no Divã da Psicanálise. Vem aí uma eficaz reforma do sistema processual administrativo?

Por: Isaquiel von Oliveira* 

Como é sabido Cabo Verde já dispõe do seu primeiro Código de Procedimento Administrativo (doravante CPACV). O Decreto-Legislativo n.º 1/2023, que procede à aprovação do primeiro CPACV, enquanto diploma legal regula a organização e atividade da Administração Pública (AP), definindo o quadro geral e que deverá obedecer a AP e a atividade do Estado. Todavia não abordaremos o diploma legal, destarte, agora.  Só uma nota de síntese: bom de ver, é que o primeiro CPACV “SEPULTOU”, à conhecida figura do “INDEFERIMENTO TÁCITO”, expressamente consagrado no Decreto-Legislativo n.º 2/95, de 20 de junho, que estabelece o regime geral da organização e atividade da Administração Pública Central propondo a substituição desse conceito pelo conceito de “incumprimento do dever de decidir”. 

Portanto – “AQUI JAZ” – o indeferimento tácito.  Em Portugal, também, ocorreu o “enterro” do velho e atávico ato tácito de indeferimento. O professor JOÃO CAUPERS (Introdução ao direito administrativo, 2003) confessa que: “é sem saudades que eliminamos […] a sua improvável sobrevivência até há pouco – treze anos de agonia decorridos desde o golpe fatal que lhe foi desferido na Reforma da Justiça Administrativa de 2002, por via da introdução do pedido de condenação à prática do ato devido pela administração, evidenciou a resiliência de um instrumento que mereceu contínuas e crescentemente contundentes críticas da doutrina e jurisprudência”. 

Em Cabo Verde, apesar do “FALECIMENTO” e do “SEPULTAMENTO” recente da figura do “INDEFERIMENTO TÁCITO”, afirmo: não ficamos de “luto” e nem “chorámos”. E se, entre nós, alguém lamentasse ou derramasse “lágrimas” por essa perda, tão desejada, seriam “lágrimas de crocodilo”. Espero que, essa figura nunca mais se “ressuscite” no nosso ordenamento jurídico. Isto porque, o objetivo visado é claro: “eliminar o conceito de ‘indeferimento tácito’, que faz presumir a existência de um ato tácito de indeferimento, que teria de ser impugnado pelo interessado, para o afastar do ordenamento jurídico”. 

Posto isto, olhando para este marco histórico – a entrada em vigor do primeiro CPACV – acredito que, chegou a vez da reforma do sistema processual administrativo. 

Vem aí a reforma do sistema processual administrativo cabo-verdiano? Não há voltas a dar! Em Cabo Verde, atualmente, pouco se – escreve, pronuncia e debate – sobre esta temática. Pese embora, o direito administrativo encontra-se em constante mutação. Contudo, entre nós, devo destacar alguns autores, v.g. RUI FIGUEIREDO SOARES (Sanções pecuniárias compulsórias na justiça administrativa, 2011) sublinha “a urgência da Reforma do nosso contencioso” e, posteriormente, MÁRIO RAMOS PEREIRA DA SILVA (Os Caminhos da Reforma da Justiça Administrativa Cabo-Verdiana, 2016) que aponta “os Caminhos da Reforma da Justiça Administrativa Cabo-Verdiana”. Constatei que, não obstante o ecoar dessas vozes, o quadro normativo da justiça administrativa mantem-se inalterado e está posta a nú ante o grave problema – défice na tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos (consagrado na Constituição da República de Cabo Verde). 

O “REI VAI NU” … os juristas, operadores judiciários sabem! É, ao meu ver, lamentável que, ainda, nos nossos dias, no nosso Contencioso Administrativo os direitos e interesses legítimos dos particulares é protegido através, permita-me a expressão, da “VELHA GUARDA”, ou seja do, – RECURSO CASSATÓRIO [previsto na Lei do Contencioso Administrativo Cabo-Verdiano, Decreto-Lei n.º 14-A/83 de 22 de março (doravante LCA)]. Grosso modo, MAFALDA CARMONA (Relações jurídicas poligonais , 2010) – o objeto do processo cinge-se ao ato e a todas as suas possíveis fontes de invalidade (vide, art.º 5.º da LCA). ALÉM DISSO, é inusitado e incompreensível que, o atual SISTEMA DE JUSTIÇA CAUTELAR cabo-verdiana ASSENTA fundamentalmente numa “HERESIA” [FREITAS DO AMARAL, (As providências cautelares no novo contencioso)] oriunda da matriz original francesa – SUSPENSÃO JUDICIAL DA EXECUTORIEDADE DO ATO (vide, art.º 24.º, da LCA) – medida de natureza conservatória, pensada para os atos positivos – deixando sem tutela efetiva um vasto domínio de agir administrativo, como acontece com os atos negativos, o silêncio, e toda a atuação material da Administração. Assim, torna-se impossível falar em tutela judicial efetiva sem medidas cautelares adequadas que garantem a utilidade de uma eventual sentença favorável.

Por tudo que ficou acima exposto, ao colocar o “NOSSO PACIENTE” – o CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO – no ICÓNICO DIVÃ DA PSICANÁLISE [vide, VASCO PERREIRA DA SILVA, o contencioso administrativo no divã da psicanalise, 2016] verificámos que: com a entrada em vigor da constituição originaria de 1992 – a LCA DE 1983 CONTRAIU uma “FERIDA MORTAL” e, atualmente, se encontra na “FASE TERMINAL”. Por isso, CHEGA DE CUIDADOS PALIATIVOS no PACIENTE MORIBUNDO (Contencioso Administrativo)! Afirmo, a LCA portadora de um modelo predominantemente objetivo já caiu! Não nos resta outra solução a não ser apelar ao LEGISLADOR ORDINÁRIO CABO-VERDIANO que lhe sirva de “CARRASCO” e empregue um “GOLPE DE MISERICÓRDIA”, aquele que encerra o SOFRIMENTO causado, durante longos anos aos direitos e interesses dos particulares [vide, SERVULO CORREIA (Modernização do Contencioso)]. Se focarmos, bem a nossa atenção, verificamos que, com a revisão constitucional de 1999, se abriu definitivamente a porta a um contencioso em que se discutem pretensões subjetivas e não apenas a legalidade de atos ou normas, culminando no abandono dos critérios da definitividade e executoriedade como os pressupostos de impugnabilidade dos atos, e, em contrapartida, a introdução do critério da lesividade e do princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Houve, no entanto, alguma tentativa, ao meu ver, “FRACASSADA”, de REFORMA com o “ESQUECIDO” ANTEPROJETO DE CÓDIGO DA JUSTIÇA ADMINISTRATIVA de 2007 (apresentado e discutido num workshop realizado pelo Ministério da justiça, em fevereiro de 2008, na Praia). EM SUMA: de forma similar ao legislador reformador português de 2002/2004, nota-se que, o legislador Cabo-verdiano do ACJA optou por estruturar os processos declarativos não urgentes em torno de uma “espinha dorsal dualista”, destrinçada por um lado entre a ação administrativa especial (onde se enquadrava o clássico recurso de anulação) e a ação administrativa comum e consagrou um rol exemplificativo de providências cautelares. Olhando para DIREITO COMPARADO as reformas levadas a cabo, nalguns países de tradição jurídica idêntica, ao longo desses anos desatualizaram o nosso ACJA [v.g. é preciso abandonar a “espinha dorsal dualista” e seguir o modelo de “fila única” – “AÇÃO ADMINISTRATIVA” e manter numerus apertus de medidas cautelares]. Enfim, será que com o ADVENTO da reforma do sistema processual administrativo assistiremos uma dualidade de jurisdição? Uma jurisdição administrativa e comum em paralelo? Consequentemente a especialização dos juízes?…O QUE É QUE VEM AÍ? UMA REFORMA PROFÍCUA? 

*Professor Universitário e Mestre em Direito e Prática Jurídica: Especialista em Ciências Jurídicas Forenses e Formado em Legística.  

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